1: INTRODUÇÃO
Quando procuramos pela internet aclarações a respeito da combinação correta dos alimentos durante as refeições, encontramos informações muito diversificadas e, por vezes, até contraditórias. Porém se nos aprofundamos nos estudos, verificamos que as variadas explicações se fundamentam em aspectos distintos, desde a nutrição e dietética até a bioquímica dos processos digestivos.
Neste artigo trataremos da combinação dos alimentos enfatizando o melhor aproveitamento dos nutrientes com menor gasto energético. Nesse ponto devemos considerar que os alimentos possuem características diferentes entre eles quanto à respiração, tempo de digestão e demanda quanto à solicitação de enzimas digestivas para quebra das moléculas que passarão a nutrir nossas células e tecidos, como veremos no tópico a seguir; e também, as demandas energéticas do organismo para processar os alimentos sem ocasionar sobrecargas do aparelho digestivo. Além disso, devemos considerar também as toxinas produzidas, já que toda transformação química libera partes úteis ao processo e partes que devem ser descartadas.
2: COMBINAR É UMA CIÊNCIA
Em função destas características, o processo digestivo de cada alimento tem uma sequência diferente em nosso organismo. Por exemplo a ingestão de duas proteínas concentradas na mesma refeição. Para uma digestão eficiente, cada proteína exige sucos gástricos de composições diferentes, além de tempos distintos: enquanto o suco gástrico necessário à digestão da carne tem seu pH máximo no início da digestão, o suco gástrico necessário à digestão do leite terá seu pH máximo no final. Logo, isso demonstra um desencontro, o que resulta, na prática, em alimentos que não combinam.
Exemplos: carne com leite, carne com ovos ou leite com nozes. As enzimas digestivas atuam em pH’s diferentes, portanto, quando elas e os substratos estão alinhados na quantidade de pH, a ação é mais eficiente. Além disso, quanto maior a concentração de enzimas e substratos de mesmo tipo, maior será a velocidade da reação. Outro exemplo é quando há ingestão de amido e açúcar na mesma refeição: a digestão dos amidos começa na boca e prossegue no estômago. Já os açúcares são digeridos somente no intestino delgado. Quando consumimos isoladamente, passam rapidamente do estômago ao intestino, mas se consumidos juntos, ficam retidos no estômago aguardando a digestão dos amidos e como os açúcares têm tendência a fermentar rapidamente, a combinação entre amido e açúcares produz fermentação ácida. Exemplos: arroz doce, bolos e pão-doce.
Por isso a combinação dos alimentos não é mero capricho e sim uma ciência a qual podemos notar na prática na forma como nosso organismo reage perante as refeições. Ainda que não notemos, basta uma mudança de hábito para sentir a diferença.
3: SOBRE ENZIMAS DIGESTIVAS
Inicialmente precisamos compreender o que são enzimas digestivas e quais as suas funções. As enzimas são proteínas que servem para quebrar as moléculas dos alimentos de forma a se tornarem substâncias menores e mais simples, podendo ser facilmente absorvidas pelo organismo. Nosso corpo trabalha de forma equivalente a uma usina nuclear, onde partes densas de matéria são transformadas através de etapas sucessivas, até que chegar a moléculas tão pequenas que possam ser absorvidas por nossas células, cujo tamanho é da ordem de micrômetros, o que as torna impossíveis de serem vistas a olho nu em sua grande maioria, para que se tenha uma ideia.
O seguinte esquema gráfico apresenta o processo digestivo com os diferentes tempos e enzimas requeridos por cada grupo de alimento:
1) Na boca, a enzima amilase salivar (ptialina) “quebra” as grandes moléculas de amido (existentes nos carboidratos – pão, macarrão, etc.) em moléculas menores, de maltose (um tipo de açúcar).
2) Da boca, o bolo alimentar desce pela faringe, pelo esôfago e chega ao estômago.
3) No estômago ocorre produção de suco gástrico, e a enzima pepsina, em meio ácido, inicia a “quebra” das proteínas.
4) Do estômago, o bolo alimentar passa ao intestino delgado em sua porção inicial, chamada duodeno, onde será banhado por sucos digestivos produzidos pelo pâncreas (5) – a tripsina que continua a “quebra” das proteínas iniciada no estômago, a amilase pancreática que continua o processo de digestão de amidos –, pelo fígado (6) que produz a bile e a vesícula biliar (7) que a armazena – a bile é um conjunto de sais que processa a digestão das gorduras, transformando partes grandes em partes menores, aumentando a superfície de contato da gordura com a enzima lipase, produzida pelo pâncreas.
As gorduras e lipídios são transformados em ácidos graxos e glicerol, os quais são substâncias mais simples que podem atravessar as microvilosidades do intestino delgado e alcançar os capilares sanguíneos.
8) A região seguinte do intestino delgado (jejuno) é responsável pela transformação das proteínas em aminoácido pelas enzimas peptidases, e a enzima maltase produzida pela parede do intestino transforma a maltose em duas moléculas de glicose, e outros açúcares também são digeridos nessa região.
9) Na porção final (íleo) ocorre absorção das moléculas dos alimentos que já foram quimicamente transformadas pelas enzimas e assim são capazes de passar pela parede do intestino e chegar ao sangue, que distribuirá essas moléculas a todas as células do corpo. Nessa região, grande parte da água existente no bolo alimentar também é absorvida.
10) Os restos alimentares não digeridos chegam ao intestino grosso, onde continua ocorrendo absorção de água, e são formadas as fezes pastosas que saem do corpo através do ânus.
4: UM POUCO DE HISTÓRIA
“Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio”, Hipócrates. Há mais de 2400 anos os hábitos alimentares já eram estudados com o propósito de favorecer a saúde. Mais tarde, Paracelso também disse que “a diferença entre o veneno e o remédio, é a dose”. A partir destas sábias reflexões já podemos deduzir que uma vida saudável se baseia em uma alimentação equilibrada e sem excessos.
A combinação dos alimentos não é algo novo nos estudos relacionados à saúde. Os indianos, com sua medicina ayurveda, já traziam a preocupação com o tipo de alimento ingerido e os diversos efeitos no organismo, já que estes influenciam na saúde e no comportamento humano. A trofologia é o estudo da nutrição com foco na boa digestão, que busca manter o pH do organismo de neutro a levemente alcalino. São fatores que colaboram com o processo digestivo e favorecem o aproveitamento dos nutrientes com menor uso de energia.
O gráfico a seguir apresenta a combinação correta dos alimentos levando em consideração os processos digestivos e as características de cada grupo:
5: O CORPO COMO UMA MÁQUINA
Podemos entender nosso corpo como sendo uma máquina, que necessita de combustível para funcionar (energia), e produz diversos processos (respiração, circulação sanguínea, funcionamento dos órgãos e sistemas, pensamentos, sentimentos, ações) e que suas diversas transformações liberam algumas toxinas que devem ser descartadas para não intoxicar o organismo, já que um organismo intoxicado chega a “travar” seus processos gerando diversas enfermidades.
Disto podemos concluir que a energia deve ser absorvida, dentre outras fontes, dos alimentos que ingerimos, e deve ser de forma que no final do processo de digestão e transformação tenhamos certo capital de energia suficiente para cumprir com os afazeres diários sem fadiga, sejam quais forem. Devemos aprender a economizar esta energia para que nosso organismo não adoeça, sendo equilibrados no descanso, na realização das tarefas, nos pensamentos e nas emoções.
Os antigos chineses já diziam que nosso intestino é nosso segundo cérebro, já que a partir de seu funcionamento temos seus efeitos em nossos estados psicológicos, devido a que o sangue absorve dali os nutrientes necessários para alimentar todo o nosso sistema, inclusive o nervoso e endócrino, que afeta diretamente nossos estados de ânimo. A esse respeito também Paracelso já apresentou diversos estudos sobre os humores e temperamentos, diretamente influenciados pelos processos digestivos.
6: COMBINAÇÕES NA PRÁTICA
A dieta que tem como base a correta combinação dos alimentos atribui a eles diferentes grupos: carboidratos e amidos, frutas, vegetais, proteínas e gorduras. As regras são baseadas principalmente em que os alimentos são digeridos em diferentes velocidades por nosso organismo (combinação errada pode provocar sobrecarga do aparelho digestivo) e que os alimentos requerem diferentes enzimas e trabalham em diferentes níveis de pH – nível de acidez – no intestino.
O primeiro que devemos entender é que o organismo não assimila excessos. Todo excesso é prejudicial, portanto devemos nos alimentar de forma a que o estômago tenha sempre cerca de 20% de sua capacidade livre para os movimentos gástricos. Outro ponto muito importante é que as refeições sejam feitas somente quando se sinta fome, para não incorrer no erro do excesso, em que estamos nos alimentando antes de concluir o processo digestivo da refeição anterior.
As regras seguem, portanto, os seguintes preceitos práticos:1) Não ingerir proteína animal com outras fontes de proteína, como leite e seus derivados, já que exigem sucos gástricos de composição diferente, e o tempo de digestão para cada proteína também é diferente.
2) Não ingerir carnes com alimentos que contém amido ou com cereais integrais (arroz, massas, batata, etc.), pois os alimentos amiláceos possuem tempos diferentes de digestão, o que provoca fermentação produzindo gases e acidificando além do necessário o estômago.
3) Não misturar frutas doces com frutas ácidas (as frutas podem ser ingeridas somente com verduras que não contém amido).
4) Não consumir melões e melancias com outros alimentos, estes devem sempre ser consumidos separadamente quando não interferem em outros processos digestivos (estômago vazio).
5) Não ingerir líquidos durante as refeições (no mínimo com intervalo de 15 minutos antes ou depois).
6) Arroz integral, milho ou batata podem ser utilizados como guarnição de proteínas (menos de carne), se junto houver salada (folhas verdes).
7) Não consumir sobremesas em seguida às principais refeições, pois sobrecarregam a digestão e normalmente são constituídas de açúcares, os quais têm sua digestão somente no intestino, ficando retidos no estômago enquanto não se processa a digestão dos outros alimentos, o que provoca a fermentação e acidifica o estômago produzindo gases.
Podemos observar, analisando as regras para uma boa combinação de alimentos, que o queridinho dos brasileiros não é uma combinação adequada: o arroz com feijão, pois, por se enquadrarem em grupos diferentes, produzem muitos gases durante a digestão. Porém, importante ressaltar que, a análise se refere exclusivamente a combinação para uma digestão mais eficiente, e não se trata dos nutrientes de cada alimento.
No geral, as melhores combinações estão entre:1: verduras com as proteínas (como carnes e saladas ou legumes que não contém amido)
2: verduras entre si
3: verduras com cereais integrais
4: frutas e verduras sem amido e com folhas verdes.
Além destas, uma combinação possível é entre iogurte e frutas secas ou banana.
7: GASES NOCIVOS
A produção excessiva de gases pelo organismo é algo que deve ser evitado. Podemos verificar pelas combinações alimentares que elementos de grupos que não se combinam, ao serem ingeridos juntos, provocam fermentação excessiva e produção de gases pelo estômago e intestino.
Ressalta-se mais uma vez que o intestino é considerado o segundo cérebro do nosso organismo. Além do fato de ser formado por milhões de células nervosas, os neurônios, também no intestino é produzido o hormônio do bem-estar, a serotonina: 90% do hormônio é produzido ali. Não é à toa que, para pessoas que se apresentam mal-humoradas, dizemos que estão “enfezadas”, o mau funcionamento do intestino é responsável por parte da nossa irritabilidade e alterações de humor.
A serotonina é também responsável pela comunicação entre o intestino e o cérebro, por meio do nervo vago. Além da grande quantidade de neurônios e da produção da maior parte da serotonina, o intestino guarda ainda em sua flora, cerca de 100 trilhões de bactérias, o que nos faz compreender a tamanha importância de manter este órgão funcionando muito bem, já que a relação equilibrada entre o cérebro e o intestino, que depende muito dessa flora, irá interferir na saúde sistêmica, além de aspectos relacionados a comportamento, equilíbrio mental, emocional e psicológico.
O excesso de gases é um efeito que demonstra que o trato intestinal não está funcionando como deveria, quando há trabalho desequilibrado por parte das bactérias que compõe a nossa flora intestinal em virtude das combinações inadequadas dos alimentos e excessos cometidos durante as refeições.
Cuidando da alimentação, corrigindo nossos hábitos e compreendendo a importância de uma nutrição eficiente, garantimos o equilíbrio de nosso organismo e uma vida saudável, com ânimo e disposição para enfrentar os desafios do dia-a-dia.
Aliny Garcia Nunes
Desenvolvedora Web